
No pôr do sol formou-se a figura de um ser alado.
Tomei tempo para contemplar.
E sentir a imagem.
Lembrei que a maior parte da vida tive medo de pássaros.
Até a noite em que encontrei uma gaivota presa na areia.
Um símbolo vivo da agonia e prisão em meu relacionamento na época.
Já havia decidido que não queria mais.
E não conseguia dar fim. Sair dali. Voar. Igual a gaivota.
Tentei lançar-lhe algumas vezes ao alto. Voa! Voa! E ela caia, pesadamente na areia.
Comecei a chorar muito.
Não sabia o que fazer por ela (por mim). Como ajudar um pássaro (como voltar a ser livre)?
Sentei próxima a ela.
Observei o mar em frente a nós, sereno, banhado por lua de verão.
Respirei.
E decidi que precisava acolher a gaivota em meus braços.
Me posicionei atrás dela e a envolvi por baixo, com a ajuda de uma manta que eu usava.
Consegui sustentar seu corpo sobre as palmas das mãos, uma em frente a outra.
Comecei a caminhar.
Foram os passos mais lentos e despertos de minha vida.
Sentia o coração da gaivota na palma de minha mão.
Contemplava a cabeça prateada pelo reflexo lunar.
Os olhos de mistério inacessível.
O enorme e afiado bico, me provocavam absoluta veneração e respeito.
Ao chegar em frente à casa da praia, a deixei no encontro da areia com o mar.
E levemente a gaivota foi sendo acolhida, na sutil e profunda dança oceânica.
Passei horas observando a despedida.
E refletindo sobre mInha própria vida.
No dia seguinte, ao passear com meu cachorro, voltei a chorar forte, assustada, ao encontrar enormes urubus.
Senti raiva e tive coragem para espanta-los.
Precisava proteger minha gaivota até o fim.
A encontrei em forma de cruz.
Asas abertas.
Um sentimento de paz me surpreendeu.
A morte a libertou da condenação de ser pássaro sem poder voar.
E me dei conta que era eu quem estava ferindo minhas asas diariamente, ao enterrar o grito de BASTA, NÃO MAIS, ACABOU.
A gaivota me ensinou a perder o medo de voltar a voar: pelo amor próprio e libertação de toda forma de opressão.
Autora: Fernanda Franceschetto
Vulvoscopia FF – A jornada íntima para tornar-se mulher sem tabu