
Ao ver minha mãe saindo do quarto onde minha filha dormia, voltei no tempo e pensei: é por ela, é por causa desta mulher que posso celebrar minha vida nesta terra, abrir meu novo ciclo, fazer aniversário neste 29 de janeiro.
Enquanto ela se despedia, eu lembrava do meu nascimento, da terceira ida ao hospital, da cesárea por não haver dilatação e do médico conduzir a gestante de 22 anos à cirurgia.
E pensei no meu processo de parir Laila, que estava em posição pélvica, sentadinha dentro de mim.
E do momento em que a dilatação parou, não evoluía. Antes que a sombra me envolvesse através dos sinais de preocupação da médica e do medo de meu companheiro, pedi aos dois que me deixassem sozinha.
Sentei no chão. Parei. Fechei os olhos. Comecei a meditar.
Fui tomada pela aparição de uma imagem: um útero todo costurado.
Me dei conta de que era eu quem estava lá dentro, sem conseguir sair.
Me assustei. Respirei. E aceitei que eu precisava fazer a travessia, viver meu próprio parto durante o parto de minha filha.
Me entreguei à força irracional de um corpo que quer parir.
Me abri ao instinto selvagem, à pura fêmea, ao canal vaginal e à garganta, com todos os movimentos, gemidos, ruídos, gritos e palavras que precisavam sair.
Meus pais acompanharam o nosso parto madrugada a dentro, dos corredores do hospital.
Minha mãe orava e escrevia na capela, fazendo chegar seus bilhetes com palavras de fé e força até minhas mãos.
“ Parabéns, filha”, disse meu reservado pai, ao ver Laila em meus braços, mamando.
Foi a saudação mais profunda e emocionada que senti partir dele, em toda minha vida.
Algo de cura ocorreu e transcendeu a biografia de nossa trindade como filha, mãe e pai.
Se antes eu já havia me transformado tanto como mulher, depois do parto me tornei expressão plena de potência, desde as entranhas mais profundas da sexualidade à transcendência misteriosa da expansão da consciência.
Sigo comprometida a romper diariamente os lugares sombrios, os aprisionamentos mentais e emocionais, os tabus machistas/ patriarcais que tentam me impedir de ser fêmea, de abrir as pernas e dar à luz a mulher que sou por inteira.
Quanto mais aterrada e fiel ao meu corpo e sentidos, mais aberta e livre estou para a travessia corajosa do lugar seguro e conhecido ao fluir com o imprevisível.
A vida é um parto diário.
E hoje é mais um dia para o meu nascimento.⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Que eu siga servindo ao Amor, à evolução da consciência e a abertura dos corpos e almas que cruzam meus caminhos e minhas palavras.
Gratidão por estarem comigo, aqui e agora!
Com amor,
Fernanda Franceschetto