
A cada dia, desde o início da quarentena, vivencio paralelos com a época em que estava grávida e com a maternidade: há uma suspensão do mundo de fora.
A orientação e os sentidos voltam-se para dentro da pele, para a vida que pulsa nas tripas, para o mundo interno do mistério da vida encarnado em si e na criação/ educação de um ser humano.
Cada mulher a sua maneira, desde que gera, dá à luz e acompanha a criatura em seu desenvolvimento, experimenta vários graus (positivos e/ou negativos) de isolamento social, corporal, psíquico, emocional e anímico na sociedade patriarcal/ machista que vivemos.
Se as mulheres já não são respeitadas e honradas na intimidade e como profissionais, as que tem coragem hoje em dia para se tornarem mães chegam a ser ainda mais anuladas, invisíveis e descartáveis para o patriarcado.
E essa desvalorização e não reconhecimento da função primordial de quem dá a vida e a mantém para gerar a humanidade, é tão nociva e destruidora quanto as ações exploratórias e violentas do homem contra a Terra e os seres vivos.
Estamos onde estamos hoje – em grande pausa – porque não podemos continuar a existir como personagens/ máquinas autodestrutivas, distanciados de nossa natureza essencial. Isso é óbvio e todos de alguma maneira já sabiam e nada ou pouco faziam: por seguirmos chapados, sonâmbulos., entorpecidos literalmente por vícios de consumo, de egoísmo, de sexo, de poder em todos os níveis sobre o outro.
Espero que o isolamento sirva para que especialmente os homens (e as mulheres que ainda não confiam em sua potência autêntica e divina) recolham-se no mais regressivo amor pela milagre de estarem vivos aqui e agora, que lembrem-se dos corpos e corações de suas mães que os nutriram instintivamente – mais além da (in)consciência cultural a qual também foram submetidas, usadas e violadas.
Que eles escolham lembrar, sentir e agradecer a cada momento o ar da vida que receberam. E que tenham coragem para perdoar o que não receberam, pois todo o déficit será sempre menor que a própria vida.
E que finalmente eles cresçam como homens – e não como meninos abandonados ou machucados que precisam de mulheres-mães ou que de alguma maneira se vingam através do poder e da dominação para mostrar que existem. Basta. A hora do novo parto chegou.
Recebam e acolham as dores e contrações para ter força e fé para atravessar o canal escuro.
Estamos sendo paridas e paridos para uma nova era das relações humanas, dentro e fora do útero coletivo e das quatro paredes.
Texto da autora: Fernanda Franceschetto
comunicadora social, psicoterapeuta gestalt, jornalista, artista e mãe
Foto: FF em Ibiraquera, grávida de Laila